Nicholas Konstantinovich Roerich (1874 –1947) nasceu em St. Petersburg, Rússia, mas logo tornou-se um cidadão do mundo. Pintor de talento multifacetado, projetou internacionalmente uma carreira excepcional não só como artista, mas também como escritor, educador, pensador, cientista, explorador, arqueólogo e promotor de Cultura de Paz. N. Roerich marcou época ao incorporar a sua arte ideais visionários de união dos povos através da Cultura, Beleza e da Ética.

Nicholas.

Nicholas Roerich

A base do pensamento Roerichiano se alimentou de várias raízes filosóficas e espirituais. Nicholas Roerich foi batizado pela Igreja Ordotoxa Russa, religião de sua mãe. No entanto, desde jovem, ele já mostrava uma magnética atração por tudo que se relaciona ao conhecimento sagrado do Oriente. Na casa de Verão da família Roerich, em Isvara, havia na parede uma foto da montanha Kanchenjunga, Himalaia, a terceira mais alta do planeta, magnífica com seus 8.586 m de altitude. Ela se tornou, muitos anos depois, uma das suas principais musas inspiradoras por ele pintada em diferentes versões.

Kanchenjunga 1936

Kanchenjunga, 1936. Tempera sobre tela. 60,5 x 99. Nicholas Roerich Museum, New York, EUA

Com o estudo das obras de Helena Blavatsky (1831 – 1891), ampliou-se o seu conhecimento sobre o Oriente e sobre os Grandes Mestres e o Budismo. As intercorrelações entre o casal Roerich e a Escola Teosófica são evidentes. Helena Roerich (1879 – 1955), sua companheira de jornada espiritual e de Serviço, traduziu a Doutrina Secreta do inglês para o russo, tornando esse conhecimento acessível na terra dos Tsars. Uma das telas mais significativas de N. Roerich pintadas no final da sua vida foi o “Mensageiro” (1946), dedicada a Helena Blavatsky.

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Helena Roerich

Mensageiro

Mensageiro, 1946. tempera sobre tela. 125 x 95. State Museum of Oriental Art, Moscou, Russia

Em março de 1920, o Mestre Morya intensificou as comunicações com o casal Roerich (Drayer, 2005). No inicio, ambos Roerichs plasmavam as mensagens, com o tempo, essa passou a ser a tarefa de Helena Roerich, a qual formatou as comunicações num sistema filosófico chamado Agni Yoga, a Yoga do Fogo. A série compilada em 17 livros traz uma síntese das Yogas e do conhecimento do Oriente com o Ocidente numa linguagem ardente: penetrante e direta, como os atributos do próprio fogo.

 


Agni-Yoga-by-Nicholas-Roerich

Agni Ioga I, 1928. Esboço para afresco. tempera sobre tela. 119,4 x 73,7. Coleção Privada, EUA

Na Agni Yoga, o Coração é a medida de todas as coisas e processa a síntese dos conhecimentos e experiências acumuladas pelo aspirante, preparando-o para a Ação Ardente, em ultima instância, para o Serviço. A Agni Yoga conduz o aspirante não só as reflexões existenciais, mas impele-o a assumir uma atitude ética perante a vida cotidiana, por isso a Agni Yoga também é conhecida como a Yoga da Ética Viva. Em muitas da suas pinturas, N. Roerich retrata a figura mítica do arqueiro, o qual, impulsionado pelo fogo, lança sua mensagem direto do coração para o universo em meio à batalha diária..

Aliado a esse aporte filosófico, ético e espiritual, Nicholas Roerich também teve um papel fundamental no movimento filosófico excepcional russo que emergiu no inicio do Século XX, aCosmogonia Russa, na Era de Prata da cultura russa. Esse movimento contou com contribuições de ilustres cientistas e filósofos, proeminentes personalidades do cenário cultural russo e artistas simbolistas (Rodichev et all, 2008). No solo culturalmente fértil da bela cidade de St. Petersburgo, a obra de N. Roerich assim floresceu e revelou-se para o mundo através da linguagem plástica de suas enigmáticas pinturas e de sua atuação como ativista da Paz. Dessa forma, podemos dizer que N. Roerich assumiu um caminho resplandecente de criação artística, alicerçado no tripé Beleza, Cultura e Ação.

Beleza: o portal de iluminação da consciência

“Na Beleza nós nos unimos! Através da Beleza nós rogamos! Com a Beleza nós conquistamos!” (Roerich, 1946)

Na visão de N. Roerich, a felicidade, como resultado da evolução da consciência, se dá somente através da Beleza. O que não está restrito exclusivamente as expressões da arte, mas consiste numa inclusão de um senso ampliado de Beleza à vida diária. Segundo ele, esse é o dever de todo aspirante: desenvolver a capacidade de embelezamento e enobrecimento da vida, pois essas qualidades o conduzem a Grande Conquista (Roerich, 1930a).

Assim como um talentoso pintor materializa na tela a sonoridade e a harmonia das cores, o aspirante é conduzido para o caminho da Luz através da Criação da Beleza no mundo das formas. Aquele que reflete sobre um conceito tão refinado, como cor e som, cultura e harmonia, irá entender a infinita Hierarquia da Beleza e do Conhecimento. Então, “Crie, crie, crie! Crie de dia e à noite. (…) No processo criativo se pode superar os mais hediondos hábitos de vulgaridade, trivialidade e disputa” (Roerich, 1946).

Para N. Roerich, a impessoalidade é um dos aspectos centrais da Beleza. Uma obra de arte é indivisível, atemporal e capaz de perpetuar seu significado na consciência coletiva por séculos. Assim, pode-se entender como “eu”, no caso do artista, se transforma em “nós”, da espécie humana. Isso só é possível por que a Beleza pertence ao domínio da síntese e abre os portões da harmonia. A Beleza é o vetor propulsor capaz de envolver corações e mentes para a verdadeira Co-operação, reafirmando os paradigmas do Novo Mundo. Assim, “A arte unirá a humanidade” (Roerich, 1931a).

Cultura como Cultura de Paz

A compreensão de Cultura no pensamento de Nicholas Roerich nos dirige à indagações que enaltecem e refinam a Consciência. Longe de uma noção de Cultura baseada em acúmulo de informação ou de conhecimento meramente adquirido (de fora pra dentro), a construção da Cultura dá-se pela ascensão do espírito humano e pela elevação dos valores da humanidade. Em outras palavras, Cultura é apresentada como o resultado do cultivo de uma ética luminosa.

“Vamos lançar as bases das novas tradições da Cultura, quando o conhecimento será transmitido não apenas para obter informações, mas também para enobrecer o coração, para o esclarecimento e unificação do espírito humano” (Roerich, 1930b).

Daí surge a noção de Cultura como promotora da Paz, como Cultura de Paz, como Cultura da Luz. Para N. Roerich, a Cultura é o antídoto para a hostilidade da ignorância e para a destrutividade da intolerância humana, as quais, em níveis crônicos de adoecimento, têm gerado guerras e toda espécie de barbárie na civilizacao humana. Então, “onde não há Cultura não há Paz”.

Ação: um Chamado para Cultura:

“De longe, vem o chamado que vigorosamente ressoa a resplandecente palavra: ‘Cultura’”. (Roerich, 1930b). Verdadeiramente jubilosa é a consciência que une em nome da cultura no labor, para além do aprisionamento das abstrações, e com seu chamado reevoca e inspira o trabalho construtivo” (Roerich, 1931b)

Com esse pensamento, N. Roerich desencadeou no final dos anos 20 a criação de Comitês da Bandeira da Paz e do Pacto Roerich. O primeiro deles foi em Nova York, em 1929, e logo a ideia ganhou repercussão internacional e Comitês foram formados em varias cidades no mundo, tais como em Paris, Bruxelas e em Harbin (Manchuria). Através da criação desses Comitês, N. Roerich inspirou ações para a proteção do gênio humano e a cooperação internacional através da Cultura(1). Como reconhecimento de seu trabalho, o pintor russo foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz em 1929 (New York, 1947).

Já na década de 30, Nicholas Roerich agregou artistas, pacifistas, juristas e governantes do mundo inteiro em quatro conferências internacionais (Bruxelas, 1931 e 1932; Washington, 1933 e Montividéo, 1933), as quais resultaram na Assinatura do Pacto Roerich pelos EUA e mais 20 países da América Latina, inclusive pelo Brasil, em 15 de abril de 1935, na Casa Branca, com a presença do então presidente americano Franklin Roosevelt (New York, 1947).

Como um Tratado de União Cultural, o Pacto Roerich sugere a Bandeira da Paz(2)  como símbolo a flamular nos locais de significação cultural dos povos de diversos países, sinalizando para a humanidade que ali trata-se de um local a ser preservado para as próximas gerações em tempos de guerra e de paz.

Madona Oriflamma

Madonna Oriflamma, 1932. Tempera sobre tela. 173,5 x 99,4. Nicholas Roerich Museum, New York, EUA

Com a destruição de muitos patrimônios históricos durante a II Guerra Mundial, a Convenção de Haia(maio de 1954) se fundamentou no Pacto Roerich e adotou a Proteção dos Bens Culturais em Caso de Conflito Armado, a qual está em vigor na ordem internacional desde 7 agosto de 1956. (Barenboim & Sidigi, 2010)

Mãe do Mundo

Mãe do Mundo, 1930. tempera sobre tela. 97 x 65,4. Nicholas Roerich Museum, New York, EUA

Nicholas Roerich inspirou, em vida, o surgimento de inúmeros grupos artísticos e culturais no mundo inteiro e pintou mais de 7.000 quadros, os quais estão expostos em renomados museus de Paris, Londres, Moscou, St. Petersburg e Riga. Ele concebeu a construção do Museu Roerich de Nova York (com 29 andares), o qual exibiu suas obras e os artefatos arqueológicos coletados nas suas expedições à Asia Central. O Museu Roerich de Nova York também abrigou o Centro Internacional de Arte Corona Mundi, o Instituto Master de Artes Unidas, a Escola de Artes e uma Biblioteca Tibetana. Nicholas Roerich faleceu em 13 de dezembro de 1947 em Naggar, no Himalaia Indiano, onde viveu os seus últimos 20 anos, deixando para o mundo um valioso e inspirador legado artístico, cultural, espiritual e político.

Andrea Ruf,
Psicóloga, psicoterapeuta Junguiana, Doutora em Saúde Coletiva.
Estudiosa da Agni Yoga, pesquisadora do Legado da Família Roerich e Assessora de Relações Internacionais do
Instituto Roerich da Paz e Cultura do Brasil


Notas:

(1) O Instituto Roerich da Paz e Cultura do Brasil (www.roerich.org.br) nasceu em Salvador, em 1999, inspirado pelos ideais de Nicholas Roerich. Desde então vem desenvolvendo atividades educativas, culturais e artísticas para disseminar uma nova consciência pautada na Beleza. Em paralelo às ações para o desenvolvimento de valores humanos e preservação do patrimônio cultural e natural, o Instituto vem estreitando laços com organizações de outros países que trabalham com os mesmos objetivos. Desse esforço foram gerados projetos de intercâmbio como “Brasil: Muitas Raízes, um Legado de Paz”, que em outubro de 2011 levou um grupo de artistas baianos a apresentarem a cultura brasileira pela primeira vez no Himalaia, durante as celebrações pelo aniversário de Nicholas Roerich promovidas pelo International Roerich Memorial Trust – IRMT, Naggar, India. Em abril de 2012, o Instituto Roerich da Paz e Cultura do Brasil resgatou a ideia dos Comitês da Bandeira da Paz e do Pacto Roerich criada por Nicholas Roerich e reaplicou a estratégia, implantando-os em duas cidades brasileiras: São Paulo e Salvador. Os Comitês, em parceria com organizações Roerichs da Russia, irão expor obras reproduzidas do artista e pensador russo no Brasil.

(2) O símbolo das três esferas utilizado na Bandeira da Paz é de origem antiga e aparece em várias culturas em momentos diferentes da humanidade. Embora esse símbolo tenha sido destacado por N. Roerich em várias das suas pinturas, seu uso não é restrito a nenhum grupo. Ninguém deve possuí-lo e nem pode controlá-lo. A Bandeira da Paz simboliza o esforço dos seres humanos de toda parte do globo terrestre em preservar o melhor do passado da humanidade, as suas realizações presentes e as suas conquistas futuras. A Bandeira da Paz representa a entrega das produções do gênio humano ao Espírito da Paz, em outras palavras isso significa: preservar, proteger, apreciar e conectar-se com sua Beleza para que as futuras gerações reconheçam a sua história e cultura que tanto favorece para a nossa evolução humana rumo a uma consciência mais elevada e ampliada.